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Como consegui sair de um relacionamento abusivo

Nunca se falou tanto sobre relacionamentos abusivos, pessoas tóxicas e responsabilidade emocional. Acredito que, quanto mais a gente fala e expõe essas situações, mais fácil para algumas pessoas que estão em um relacionamento abusivo identificarem comportamentos que possam estar prejudicando a vida delas. Além disso, acho muito importante falar sobre justamente porque, quando eu passei por isso, a sociedade em geral não comentava nada sobre esse tipo de relacionamento e a internet em geral estava começando a tocar no assunto. Então, eu demorei um tempo para ficar exposta a conteúdos que fossem positivos e que trouxessem um acolhimento para mim.


Algo que acho importante ressaltar antes de tudo que eu sou uma mulher, branca, cis, heterossexual, com muitos privilégios e o que eu vou falar aqui se diz respeito apenas à minha vivência. Por isso, quero deixar claro que existem muitos outros tipos de abusos e situações que eu nunca saberei como é passar porque não tenho lugar de fala. Apenas gostaria de compartilhar a minha história e inspirar mais pessoas que passam ou passaram por situações parecidas com a minha.


Hoje em dia, eu me sinto mais confortável em comentar sobre esse assunto e sou muito grata pelo apoio que eu tive (e ainda tenho) da minha família, das minhas amigas e também da minha psicóloga maravilhosa, hahahaha! Porém, vou ser sincera que escrever esse texto não foi uma tarefa muito fácil, porque reacendeu alguns gatilhos em mim e também pode acontecer o mesmo com você. Por isso, se você é muito sensível em relação a temas de relacionamento abusivo, aqui vai um alerta de gatilho. Se você não se sentir confortável com esse tema, pode parar o texto por aqui mesmo.


É importante falar que parte dessa superação eu tive que fazer totalmente sozinha, então aqui vai um momento bem Anitta! Eu agradeço a mim mesma por ter superado tudo isso e ter me tornado esse mulherão da porra que eu sou hoje, AMÉM! Não desejo isso para ninguém e nem mesmo quero passar por isso novamente, mas eu reconheço que eu cresci muito depois dessa situação.


É importante falar que eu reconheço que naquela época eu era muito ingênua, boba, altamente tolerante e bem trouxa (RYSOS), porém essa situação toda foi importante para eu reconhecer o lado sombrio das pessoas. Também reconheço que, em alguns momentos, por sofrer constantes ameaças, também me tornei uma pessoa muito controladora e ciumenta na relação. Recentemente, tenho feito exercícios para também reconhecer meus erros nessa situação, porém nada se compara ao que fizeram comigo.


Bom, vamos começar a minha história! Eu tive um relacionamento que durou uns dois 2 anos enquanto eu estava na faculdade e foi extremamente abusivo para mim. No começo do relacionamento, era tudo maravilhoso e aos poucos eu fui entendendo quem realmente era a pessoa pela qual eu tinha me apaixonado.


Muita gente deve perguntar se é fácil saber se a pessoa é ou não abusiva. Na minha opinião, acho difícil perceber logo de cara. Acredito que podem ter traços e atitudes que podem nos alertar, como te privar de ver seus amigos, te proibir de usar certas roupas, ser agressivo (como chutar objetos, socar paredes), mas eu realmente acho que a gente só sabe mais pra frente, quando conhecermos a pessoa mais profundamente, quando o encanto do começo de relacionamento acaba.


Pelo menos, eu não conseguia ver atitudes abusivas nele no começo, era super carismático e também tinha muita lábia (o que me seduzia muito). Eu entrei no relacionamento super segura de que ele era exatamente assim todo tempo, mas logo fui percebendo que era uma grande mentira. Olhando agora, depois de muitos anos, realmente parecia que ele era duas pessoas diferentes. Quando ele queria algo de mim ou apenas satisfazer os desejos sexuais dele, ele era super gentil e carinhoso. Mas, no restante do tempo, ele me desprezava muito.


Acontecia justamente aquele famoso ciclo dos relacionamentos abusivos. No site da Lei Maria da Penha, foi nomeado como ciclo da violência. São três fases que acontecem nesse ciclo: o primeiro é o aumento de tensão (quando surgem os primeiros comportamentos mais tóxicos, como te proibir de fazer/usar algo, por exemplo), ato de violência (aqui a gente não tá falando só de agressão física, lembrem-se sempre disso) e arrependimento (o agressor percebe que pode te perder e começa a ter atitudes mais carinhosas para manter o relacionamento). Eu super recomendo para vocês, mulheres, lerem mais sobre a lei Maria da Penha. Isso mudou muita coisa para mim. Existe a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Leiam sobre isso, gente! Eu só fui ler depois de anos e abriu muito a minha cabeça.


Voltando para a minha história, nosso relacionamento nunca foi oficial, mesmo que o relacionamento tenha durado praticamente dois anos. Muitos colegas próximos não tinham noção de que a gente estava junto, no máximo viam que rolava um clima entre a gente e, só depois, bem no final da faculdade, descobriram que a gente “namorava”. Coloquei entre aspas porque nunca houve uma oficialização no nosso relacionamento, pois ele tinha pavor de compromisso e não queria que alguém nos visse juntos.


Ele tinha tanta vergonha de mim que ele não gostava e até me reprimia quando tentava tirar alguma foto com ele. O receio com comprometimento era tão grande que, uma vez, nó estávamos andando na rua de mãos dadas e ele teve a capacidade de largar a minha mão e trocar de calçada só porque viu pessoas conhecidas vindo em nossa direção.


Houve situações de gaslighting, que é basicamente quando a pessoa omite ou mente sobre algumas coisas e faz a vítima desconfiar da própria memória e sanidade mental. Eu lembro de ter sido traída pelo menos umas três vezes com pessoas que faziam parte do nosso ciclo de amizades. Obviamente, eu comecei a nutrir um ciúme louco e ficar paranoica, porque eu estava desconfiando de todas as minhas amigas. Isso só me deixou cegamente apaixonada por ele. Eu amava o muito, sei que amar é uma palavra muito forte, mas realmente era algo muito intenso que eu nunca mais senti por ninguém. Além disso, minha paranóia era tão grande que eu lembro de ter procurado aqueles grupos de “Mulheres que amam demais” (que, aliás, esse nome é um grande absurdo, pois coloca toda a culpa do relacionamento na mulher). Era algo que eu realmente me culpava muito, pois achava que tinha algo de errado comigo (e não com ele).


Mas por que eu continuava com ele? Por que eu simplesmente não terminava? Essa é uma pergunta que todo mundo que NÃO passou por um relacionamento abusivo sempre faz. Porque não é tão simples assim. Primeiro que aquele ciclo de relacionamentos abusivos é muito intenso e te aprisiona. Você não percebe o quão controlada você está e eu cheguei num ponto que mentalmente eu estava tão esgotada e confusa que eu tinha muito medo de ficar sozinha. Então, se ele terminasse comigo, ia ser praticamente a morte para mim e isso me deixava desesperada.


Outra coisa que me segurava demais nessa relação era o sexo. A gente transava demais, tinha algo muito doentio naquele sexo. Eu tinha medo de não ser desejada por ninguém e que, se não fosse com ele, não ia ter outra pessoa. Foi até uma época na minha vida em que eu me sexualizei demais, usava roupas bem erotizadas, do jeito que ele gostava. Se ele falava que ele gostava de meninas que usavam uma calça X, eu ia lá e comprava o mesmo modelo de calça.


Sexo realmente era uma prioridade naquela época, tanto para mim quanto para ele. Acho que foi por isso que durou tanto tempo, porque no final eu virei apenas uma boneca inflável para ele. Era muito humilhante, mas eu demorei anos para entender. Era tão absurdo e eu relevava tantas coisas em troca daquelas migalhas de carinho que eu não percebia a gravidade da situação. Uma das coisas mais horríveis que eu tive que ouvir durante esse relacionamento foi que eu deveria ter sido estuprada porque eu era burra, porque não tinha feito determinada coisa que ele tinha falado, etc. Não desejo para ninguém ter que ouvir uma frase dessa.

Eu comecei a acordar para essa situação quando um dos meus amigos mais próximos me achou chorando na saída da faculdade, ele logo me abraçou e eu não conseguia falar muita coisa de tão confusa que eu estava por conta de tanta traição, mentiras e ameaças. Então, ele fez uma pergunta que me marcou muito e talvez foi ali que eu comecei achar que aquela situação estava indo longe demais. Ele me abraçou, olhou para mim e disse: "ele tá te batendo?". Eu lembro de ouvir isso e de não conseguir responder, porque no final ele não me batia, mas eu estava sofrendo outros tipos de agressão que eram tão impactantes quanto uma agressão física.


Como que eu consegui superar esse relacionamento abusivo? Primeira coisa que percebi foi que somente EU conseguiria terminar aquele relacionamento. Por mais que ele mesmo já tivesse terminado comigo pelo menos três vezes ao longo do “namoro”, passavam-se alguns dias e ele vinha correndo atrás de mim todo arrependido. Só eu conseguiria quebrar aquele ciclo infinito. Então, por mais que meus pais e até algumas amigas já tivessem comentado comigo que ele era muito ruim para mim, eu demorei para ouvir.


Aos poucos, eu fui entendendo melhor a situação, até que a gente terminou pela última vez. Porém, a gente ainda se via todo o dia nas aulas e também nos finais de semana (escondidos, para ninguém saber). Era inevitável encontrar com ele, não conseguia escapar disso. Até que uma situação mudou minha vida naquele momento.


Encontrei umas amigas em um bar e começamos a desabafar sobre nossas vidas. Contei que ainda gostava dele e que estávamos nos vendo escondidos, porque eram sentimentos recíprocos e muito intensos. Até que uma delas, uma das minhas melhores amigas até hoje e que trabalhava na mesma empresa que ele na época, ficou espantada e logo me falou que precisava contar algo. Foi então que ela me disse que ele estava ficando com uma menina do trabalho dele.


Lembro que até então eu chorava horrores por qualquer coisa, mas naquele momento que ela me contou, eu entrei em choque. Eu não tive reação. Fiquei muda e pálida. Fui logo percebendo que eu realmente precisava botar um fim nisso. E no final eu consegui, não foi do melhor jeito, mas o suficiente para colocar um basta naquele relacionamento. Algo que foi importante para eu conseguir tomar mais atitudes foi que a faculdade finalmente havia terminado. O que eu fiz? Eu simplesmente comecei a falar “não” para ele.


Isso deixou a presença dele mais intensa (porque ele ficava cada vez mais arrependido) e ficava me mandando mensagens constantemente. Para vocês terem uma noção, ele ainda me procurou por mais seis meses depois do término. Obviamente, ele só me mandava mensagem nos finais de semana, quando batia aquela vontade por sexo. Ficava cada vez mais claro que ele me procurava justamente para saciar os desejos dele e não porque ele justamente se importava comigo.


Tá bom, como eu segui a minha vida? Primeiro de tudo, eu ressignifiquei o sexo na minha vida, deixei de ser extremamente submissa e parei de achar que ia morrer sem sexo. Spoiler: estou vivíssima aqui escrevendo esse artigo, hahahaha! Aliás, comprei sex toys maravilhosos, tive outros relacionamentos e voltei a gostar de mim. Quando percebi que a falta de sexo não é algo que pode matar os seres humanos (kkk), eu fiquei tranquila. Nossa sociedade faz parecer que, se você é jovem e não está transando, é um absurdo! Por isso, encontrei formas de como sentir prazer comigo mesma, melhorei minha autoestima e até comecei a aceitar muito mais o meu corpo.


Também fui atrás de conteúdos que me faziam bem. Uma das coisas que me ajudaram muito, e pode até parecer engraçado, foi ter assistido MUITO Rupaul's Drag Race! Pra quem nunca viu, é um reality show de Drag Queens que ficou bem famoso e pelo qual sou apaixonada. No programa, a Rupaul (a Drag mais famosa do mundo) repete todo episódio a mesma frase: “se você não se amar, como você pode amar os outros?" (em livre tradução). Pode parecer bobo, mas juro que aquilo foi um mantra para mim naquela época. Eu via aqueles homens se transformando e homenageando mulheres incríveis e isso me trouxe um conforto muito grande: ser mulher é incrível, eu devia me amar e ser fabulosa.


Além da frase da Rupaul, outra frase ressoou muito na minha cabeça nesse momento de recuperação da autoestima. Sabe quando os comissários de bordo falam quando o avião vai decolar? "Primeiro coloque as máscaras de oxigênio em você e depois ajude a pessoa ao lado". Por anos, eu sempre achei essa frase esquisita, “como assim eu não posso ajudar o outro primeiro?”. Porém, hoje em dia eu entendo totalmente. Você não pode ajudar pessoas se você não estiver bem, ou até mesmo amar alguém se você não se amar. Isso realmente foi um aprendizado muito importante para mim.


Outra coisa que eu fiz, e que vai ser assunto de outro texto, foi viajar sozinha. Eu amo viajar sozinha, foi a melhor coisa que eu fiz para retomar minha autoestima e amor próprio. Eu recobrei minha liberdade, descobri que não precisava depender de mais ninguém, ia aonde quisesse, comia o que quisesse, comprava o que eu quisesse. Enfim, foi só depois dessas viagens sozinha que eu descobri quão importante é ser livre e ter seu espaço pessoal para fazer suas coisas.


Eu aprendi, com todos esses anos, que a gente realmente amadurece muito depois de superar algo assim e que as feridas saram e te deixam cicatrizes para sempre. O importante é tomar toda essa situação como um aprendizado para que isso NUNCA mais aconteça com você.


Se você tá passando por algo parecido, você precisa ser muito forte. Não guarde nada para você, fale para os outros, peça ajuda para amigos, tenha sua rede de apoio bem fortalecida para evitar qualquer situação. Deixe claro o que está acontecendo, ouça seus amigos. Aos poucos, você vai entender que essa situação precisa terminar; não é fácil e pode demorar um tempo. Mas você vai conseguir sair dessa, acredite! Se você procurou ler sobre esse assunto e encontrou esse texto, saiba que isso já é um grande passo. Reconhecer que seu relacionamento não está saudável e que você está sofrendo agressões já é o primeiro passo para se libertar. Por mais cega que eu estava, no fundo no fundo, eu sabia que tudo aquilo estava errado.


E, óbvio, a recomendação de sempre é terapia! Na época, eu até cheguei a fazer algumas sessões, mas, sinceramente, não achei que aquele tipo de terapia estava me ajudando em alguma coisa, por isso escolher a terapia mais adequada e a linha de estudos do psicólogo é essencial. Se eu tivesse feito terapia por mais tempo na época, com um profissional mais capacitado, eu tenho certeza que muitas dessas coisas poderiam ter sido evitadas.


Se curar de um relacionamento desses pode demorar anos, é uma luta constante e que cada passo deve ser celebrado. Por isso, saiba que você não está sozinha nesse processo. Se você conhece alguém que está passando por um relacionamento abusivo, não se cale! E, para qualquer outra situação, ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher).


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